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Elementor #665

Meu sangue é mais lento do que eu, quando levanto ele se esquece de me acompanhar, chega depois. Me deixa sempre, ali, branco por um tempo.
Tenho um sangue mais preguiçoso do que o cérebro. Talvez ele esteja querendo me dar algum recado, “tá com pressa do que?” “vai para onde?”.

Meu cotovelo resolveu me fazer visitas, agora dia sim, dia não, ele me dá bom dia. Preferia quando ele não existia. As coisas do corpo só existem por dois motivos, dor ou prazer. O cotovelo deve estar ciumento. Tarefa difícil a dele, nunca sentiu prazer, não à toa vive seco.

Interessante pensar que a secura é o sintoma de tudo aquilo que não é vida. Algo seco não pode ser nem sequer nojento. Há vida em tudo aquilo que é molhado, e tudo o que é molhado é íntimo, flerta com o nojo e com o tesão.
  

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Elementor #658

Sexta-feira, 14h50

Começo a perceber que não sou capaz de absorver sensações simultâneas, o cão ladra no sol forte, mas eu só percebo o som, não o calor.

Há algo de importante na hierarquia das coisas, algo não resolvido, não importa o quanto eu queira, eu nunca posso escolher a ordem que percebo o mundo.

A relação com uma pintura é óbvia, a quantidade de variáveis são inúmeras: composição, tema, cor, valor, saturação, temperatura, textura, dimensão. Como escolher, como ordenar?

Talvez eu precise de menos controle, afinal, toda vez que busco controlar as sensações, eu crio algo de artificial nelas, algo de induzido.

É preciso pensar menos, começar a conversar na língua das cores e das formas. Parar de decodificar o sentimento. Cada vez que eu decodifico ele perde um pouco de sua essência na tradução. Mais do que dizer eu te amo, é preciso amar.

Itu tem um céu azul lavado, como todo lugar de sol no brasil, as cores perdem sua intensidade mediante a luz tão forte. Tudo é prata, tudo é azul. Nos Brasil quente é preciso ser escultórico, caso contrário as formas deixam de existir, a saturação das coisas aqui é esmagada pela luz.

As cores são preguiçosas por aqui.
  

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A Arte em tempos de crise

A Arte em tempos de crise

Refleti muito sobre qual é papel do artista durante uma crise, não me refiro ao papel da Arte, mas sim do indivíduo que cria.

Os anos de trabalho me ensinaram algo, é impossível pautar um artista, uma perda de tempo também. Não podemos sequer ser convencidos, porque criar não é racional, A Razão é nosso motor, não o combustível .

Mas, sensíveis que somos, não nos sentimos tocados por esse mar de acontecimentos? Nos tornamos mais frios?
Acredito que não, dizer isso seria semelhante a falar que aquele que faz serenatas é mais apaixonado do que o introvertido, quando na verdade sabemos que na maioria das vezes ocorre o oposto.
O Criador não existe para satisfazer o público – embora anseie por isso – ele não tem propósito algum, sinto muito, a única coisa que está ao seu alcance é transbordar suas emoções em.. coisas, e algumas destas coisas fazem as pessoas transbordarem, rememorarem sua natureza, alegrias, tristezas, sabores e sensações.

Sobre mim, crio constantemente obras com forte carga política (sempre me interessei pelo tema) ainda que dificilmente elas sejam lidas sob este viés pelos espectadores. Sempre me preocupo que não sejam explícitas, me recuso a ser sequestrado como propaganda seja por quem for, porque eu não sou uma causa, eu sou plural e vivo lutando para não ser hipócrita.
Sou tão herói quanto canalha, quanto qualquer um (uns mais outros menos, é verdade).

Como pessoa, me esforço para ajudar alguns, tentar ser ético e lutar pelo que acredito, mas como artista não considero que tenho nenhum dever moral, nunca, meu único compromisso é com minhas entranhas e, se estas forem boas, aí sim, tanto melhor para todos.

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A arte serve para alguma coisa?

A Arte serve para alguma coisa?

Pessoalmente, entendo-a como um conceito mutável que reverbera sempre o período em que se vive, ora sendo um espelho, ora sendo uma resposta.

Atualmente, creio que nossa maior necessidade seja nos defendermos do entorpecimento que o alto grau de informação diária nos gera. Uma vida vivida no automático, com pouco tempo para reflexão e com percepção de sensações muito reduzidas. Dentro dessa perspectiva, a arte se aproximaria da meditação, um momento em que somos transportados, nos utilizando da contemplação, ao império dos sentidos, que intensifica nossa potência de sentir a vida e, por consequência, de vivê-la.

Então, o que é a Arte?
É o instante seguinte à batida de carro, ao assalto, ao gelado da chuva e a dormência pós sexo, é aquela morte repentina de alguém próximo. É o momento indescritível que nos mostra que sentir é a única forma de nos percebermos vivos.
E por isso, e apesar disso, estamos aqui.
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Estudo

Estudo

Estou tentando encontrar um caminho na pintura que seja sensorial, mas que evite o naturalismo.
Há algo nos ícones que me fascina muito, resta entender até que ponto posso estilizar a imagem sem que ela perca a capacidade de estimular os sentidos primitivos (calor, frio, fome, compaixão, tesão..).
(O problema dos Ícones é que via de regra eles são símbolos, e símbolos precisam de contexto; O Contexto torna a pintura mais discursiva; E uma obra que tem o discurso em primeiro plano definitivamente não é meu objetivo.)
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Distancia

Distância

“Distância; a arte de separar sem tornar inimigo; não misturar nada, não “reconciliar” nada; uma multiplicidade monstruosa, que mesmo assim é o contrário de caos – essa foi a condição prévia e o caráter artístico do meu instinto.” Nietzsche, em Ecce Homo.
Para evitar a massificação das sensações e a eliminação da identidade dos indivíduos, é preciso distanciar. Aceitar as diferenças é, talvez, mais importante do que abrandá-las, do que sobrepô-las, do que eliminá-las.

Ao menos na pintura é assim, se deve buscar o peculiar, o característico, o insubstituível. E ao encontrá-lo verá quão belo é apreciar o único, o diferente de si.
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Processo

Processo

Estou fazendo uma paisagem, um rio negro, ora escarlate, ora verde oliva.

Na beira da areia branca, alguns pedregulhos roxos. Um céu azul bem fechado lembra um sonho. Um homem em uma canoa me olha, a natureza engole ele e eu.

Esses dias algumas coisas me emocionaram, é chocante vê-las nessa paisagem.Se eu não perder essa obra pelo caminho, ela dirá mais sobre mim do que jamais consegui.

E hoje é uma terça qualquer, que loucura.

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Contemplação

Contemplação

Estou estudando como treinar o hábito da contemplação. Penso que se eu conseguir cultivá-lo, posso encontrar a satisfação em todos os dias da vida.
Y. Tsunetomo me dá uma pista valiosa:
“A coisa mais importante de sua vida é o objetivo que você persegue no presente momento. Toda a vida de um homem se apresenta como uma sucessão de momentos. Se você conseguir entender isso não existirá nada mais a ser feito, nada mais a almejar. Viva sendo fiel ao objetivo do momento.
As pessoas deixam escapar a oportunidade do momento presente, e depois a procuram como se estivessem em outro lugar. Porém, quando conseguem agarrá-las, as pessoas começam a acumular experiências. Quando conseguirmos compreender este acúmulo de experiências com objetividade, nossos problemas parecerão menores.”
Desconheço melhor combate a ansiedade do que viver no presente momento.
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A boa arte

A boa arte

Confundimos muito a boa Arte com uma espécie de “elevação do ser”, uma condição de superioridade moral.

Aquele que gosta ou que cria Arte é melhor, maior, mais iluminado.

Que erro!

É verdade que tanto para a apreciação quanto para a criação, é necessária certa erudição.

Do mesmo modo que só podemos entender a força da imagem da Crucificação quando temos o conhecimento prévio que ali está representado o asco dá violência e também a síntese do amor ao próximo.

E a Crucificação nos dá uma pista sobre a boa Arte, pois ela não se trata de um Ideal (propaganda) ou de uma virtude (moral).
Ela é, sim, a nossa integralidade, abarca tudo aquilo que fede e que cheira bem.

Só podemos ser plenos na contemplação ou na apreciação quando descemos do palco, e é disso que se trata o Belo, de ser a mais fidedigna versão de tudo aquilo que é Real.

Então, se é bem verdade que a boa Arte não pode ser realizada sem erudição, ela também não se manifesta sem o seu oposto. Necessita de uma certa brutalidade, um tipo de selvageria para que acesse aos sentidos.

Ambientes assépticos e pessoas limpas me parecem tão férteis para a Arte quanto o cimento o é para o trigo.
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Sobre a pintura

Sobre a pintura

Como um quadro finalizado pode competir com tudo aquilo que ele prometeu em seu início?

É possível que uma realização seja tão sublime quanto as promessas que um dia foram ali sugeridas? Eu sinceramente não sei.

É como se as primeiras pinceladas fossem feitas de paixão, enquanto as últimas fossem de amor.

E eu acredito que seja por isso que somos tão cativados pelas histórias trágicas de amor, porque elas são paixões que nunca cessarão, pois foram cristalizadas pela tragédia.Seria então a Tragédia o único modo de imortalizar uma Paixão?

Pode ser que um grande quadro precise fazer promessas, não necessariamente cumpri-las ou explicá-las.

Talvez as grandes músicas sejam potentes exatamente por isso também, pela capacidade de sedimentar Paixões.